"Sábado, 05 de setembro de 2009, 23 horas, o Brasil acabara de fazer o terceiro gol na Argentina e nossas bikes começavam a se movimentar pelas ruas de Criciúma. Queria assitir o jogo, jogaço... Mas, pedalar 300km por caminhos longe do Rio Grande me atraía mais. Havia a expectativa de belas paisagens e a Serra do Rio do Rastro era convidativa para embelezar essa nova aventura "randonneira". Menos de 5km rodando em grupo com os destemidos e aventureiros ciclistas e uma voz grita: olha o vidro! Psssssssss... Meu pneu furou! Furou não, rasgou. Obra de bêbado, garrafa no asfalto, pneu rasgado na banda lateral. Troquei o mais rápido que pude, com o apoio do meu companheiro de pedal e viagem Edson Berreta e uma "mãozinha" na roda do carro de apoio que iluminava nosso trabalho. Seguimos forte atrás do "pelotão", 30km/h! Estrada escura e irregular ... só alcançamos um ciclista lá pelo km 30... Numa subida! E como tinha subida! Já cansado de tentar buscar o grande grupo de ciclistas, diminuimos nosso ritmo e voltamos a normalidade. 25km/h e ritmo leve nas subidas. E como tinha subida! PC 1 chegou, alívio. Rápida regeneração, cafezinho, banana, power gel... E novamente na estrada... Pior, mais subidas. Km 89, outro bêbado querendo mostrar sua masculinidade para outros bêbados, arrancou com violência seu carro tunado a contra-mão na saída de um posto e me fez frear assustado, meu companheiro engavetou na traseira da bike e foi ao chão. Um motorista irresponsável tentando provar sua precária masculinidade quase nos tirou da prova. Bem, até o km 120, todos nós ciclistas passamos por "maus bocados" com pessoinhas pouco inteligentes e muito assustadas representando uma alegria que não convence nem a eles mesmos... Deve ser por isso que nunca estão satisfeitos! Apesar das dificuldades, pedalar estava gostoso. A estrada até Tubarão não era das melhores, mas o desafio ainda não tinha começado, lógico. Retornamos do PC 2 as 6 horas e começamos a curtir a paisagem... A estrada estava calma e o pedal começou a render. PC 3 chegou muito rápido. Parada muito importante. Sopinha supimpa, coca-cola, barra de proteína, power gel, banana e concentração... O randonnée iria começar de verdade, meninos e homens se separaram. Km 160, entramos a direita e começamos a subir, digo, continuamos a subir. E como tinha subida! E a serra ainda não chegara... E dá-lhe subida, descida, subida, subida, subida... Putz! E a serra?! Não dava pra ver... Neblina e subida não combinam com paisagem bonita. A estrada era boa, os carros respeitavam, as motos roncavam e a bike pesava... Subida, subida... Apareceu uma enorme, nem tanto, mas inclinada... muito inclinada. Minha visão estava escurecendo, falei pro Edson: "tô quebrando". Nem babava, pois não tinha saliva. Ultrapassamos o que chamamos de "rampa lança-míssil" e entramos na Serra. O que?! Só agora chegamos na Serra?! Subida, subida, subida... A paisagem começa a ficar ainda mais bonita. Olhei para o lado... Vertigem. Melhor olhar para o asfalto. E subimos, subimos, surgiu o primeiro mirante. Parada pra recarregar as baterias. Visual deslumbrante. Outros valentes ciclistas chegaram, outros já estavam por ali. E novamente subimos e subimos... Outra parada... Já estava quase no meu limite. Conversamos com um simpático ciclista argentino. Simpático argentino?! Pois é, não dá pra acreditar. Eles existem! Brincadeiras a parte, somos todos iguais é claro. A única diferença é que somos pentacampeões!! Subimos mais um pouquinho e avistamos o PC4. Já estava no meu limite. Minhas pernas quase já não respondiam... Pedalando numa speed com relação 39/52 e pinhas 12 a 26 me desgastei demais. Últimos metros, últimos 400 metros... Quase parei. "Vamo guerreiro... Falta pouco", diz o Edson pedalando numa speed com coroa tripla e usando relação 30/26... Speed randonneira tem que ter relação leve: 34/50 e pinha 12/27, tô convencido disso. Chegamos finalmente no PC da Serra do Rio do Rastro, 201 km percorridos. Minhas pernas bambas, fracas e meu corpo todo contraído. Alívio, felicidade e satisfação. Tinha certeza que estava participando do meu mais difícil brevet de 300km. Talvez até mais difícil que o brevet 400km de Santa Cruz do Sul (SCS - Canguçu - SCS 2009) em que concluí em 21 horas. O PC da Serra foi uma curtição. Comprei lembrancinhas, curti o povo, a paisagem e retornamos aliviados e seguros. Concluímos bem o brevet... Depois do km 250 tudo ficou muito tranquilo, escapamos de um cachorro rottweiler mal intencionado que esperava pelos ciclistas na porteira de casa, furei novamente o pneu no "anel viário" já no km 282 e pedalamos nossos últimos quilômetros relembrando nossa façanha... Subidas intermináveis, noite, carros, bêbados, queda, estrada ruim, subidas, subidas, serra... "rampa lança-míssel", cachorro, pneu furado, pneu rasgado... Chegada, alegria e felicidade. Meus agradecimentos a todos os voluntários e a rapaziada amiga do Maico. Gente boa, bacana, simples e amiga... Ao Maico, companheiro de randonnée aqui no Rio Grande, Super Randonnée 2009 e Farrapo esfarrapado como nós, deixo um grande e sincero obrigado e parabéns pelo ótimo trabalho no Audax do Carvão. Não é fácil organizar uma prova como essa, vocês merecem nossa admiração.
A todos os randonneurs que concluíram o brevet meus parabéns, pois não foi fácil, acho até que é o mais difícil do Brasil.
Abraços ciclísticos,
Rafael Pereira de Castro
Super Randonneur 2009"
Randonnée é dor, sofrimento, superação, disciplina, persistência, pragmatismo, competência, obstinação e, sobretudo, amizade. Costumo dizer que o "sofrimento é democrático". Na longa distância, todo mundo apanha, não importa o condicionamento ou o porte físico. Conheci o Berreta no 300KM da Serra, de Caxias do Sul/RS em maio deste ano. Depois, o Rafael no 400KM de Santa Cruz do Sul/RS. Identificação imediata. Pudera, somos todos da mesma tribo, somos todos randonneurs.
Abraço a todos!
Um comentário:
Cara... Realmente o trecho entre os PCs 1 e 2 e, na volta, 2 e 3, estava meio complicado, principalmente em Gravatal, próximo àquela casa noturna. Muito bêbado nos arredores ficava mexendo e às vezes até ameaçando os ciclistas. Passei o mais rápido que pude por esses 80 km.
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